Como esse vício pode afetar nosso relacionamento com Deus

Um pensamento muito coerente ilustrando os tipos de relações que podemos estabelecer é o do filósofo Mário Sergio Cortella, que nos diz: “Na vida, nós devemos ter raízes, e não âncoras. Raiz alimenta, âncora imobiliza.” Muitas pessoas entronizam outros seres humanos em seu coração, a ponto de acreditarem que não são capazes de viver sem elas.

Elas professam sua fé em um Deus Todo-Poderoso, no entanto, colocam criaturas em um lugar tão elevado que destronam o Criador do centro da sua vida. Estou falando de pessoas que desenvolvem dependências por outras pessoas, mais especificamente nas relações amorosas. Transformam-se em viciadas emocionalmente.

Mas afinal, podemos dizer que se trata de um vício? Sim. Segundo o psicólogo Walter Riso em seu livro “Amar ou depender”, o gosto pela droga não é só o que define o drogado, mas sua incompetência para larga-la ou tê-la sob controle, […] Querer algo com todas as forças não é mau; transformar esse algo em imprescindível sim.

Na literatura científica, considera-se dependente emocional o indivíduo que desenvolve uma forma de apego excessivo, quando o outro é colocado num lugar de destaque na sua vida com a responsabilidade de gerenciar tudo, inclusive suas próprias emoções. Para isso o dependente se anula em uma escalada de submissão cega, apesar dos transtornos que o relacionamento possa vir a causar.

É comum esse tipo de “amar” adoecido atrair para si relacionamentos abusivos. O outro ocupa o lugar de uma âncora, que o imobiliza de qualquer movimento, inicialmente, por consentimento mútuo. É importante ressaltar uma bela característica do amor, ele não aprisiona, mas liberta.

Na prática clínica, tenho acompanhado muitas mulheres que não percebem o jeito torto como amam até adoecerem ou serem abandonadas pelos seus companheiros. É importante atentar para alguns indícios de que o sentimento nutrido pode não ser amor, mas sim um apego exagerado e irracional.


Despersonalização
As pessoas dependentes, progressivamente vão perdendo a própria identidade em função do outro. Despersonalizando-se. Chegam ao ponto em que não se sentem inteiros, não existem sozinhos, transformam-se, gradualmente, em um anexo do outro. Simplesmente, não dão importância às suas demandas; seu foco se torna agradar o objeto de desejo.

Quando o outro precisa se ausentar por algum motivo, a pessoa acredita que não é capaz de se cuidar, não consegue administrar a própria vida, pois não reconhece os próprios gostos e, com isso, não planeja nada para si mesmo. A severidade chega a um nível tal que conhecem tudo da pessoa amada, mas desconhecem coisas básicas de si mesmas. Despersonalizam-se aos poucos até se perderem de si mesmas. É uma devoção cega!

Autoestima comprometida
Os sentimentos de incapacidade, pouca importância, inferioridade são comuns nesse tipo de comportamento. Frente a isso, a autonomia pessoal fica seriamente comprometida, impedindo a pessoa de se sentir segura diante da vida. O sujeito aguarda sempre a opinião do outro para tomar qualquer decisão, se posicionar ou se colocar na vida.

Medo da solidão
Algumas pessoas se submetem a situações degradantes, preferindo viver aquele tipo de relacionamento a ficar sozinho. O medo da solidão é muito maior que qualquer traição, humilhação ou rejeição. Transformam-se em pedintes de amor, implorando carinho, atenção ou qualquer migalha que o outro possa oferecer. Tudo para que não sejam abandonados.

Como essa forma de amar pode afetar nosso relacionamento com Deus?
A alteração cerebral apresentada na dependência emocional é a mesma das demais adicções. Com uma breve ressalva que, o dependente chama isso de amor, o que diante da sociedade é um disfarce perfeitamente aceitável, ao contrário da droga em si que para o senso comum caracteriza uma conduta “inadequada socialmente”.

Acreditamos que tudo o que colocamos no lugar de Deus é um ídolo, assim como tudo aquilo que não conseguimos renunciar, como podemos pensar o contrário quando se trata de transformar um ser humano num objeto de dependência? O dependente é escravizado por um sentimento perverso. “E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm;” (Rm 1:28).



O nosso relacionamento com Deus fica comprometido à medida que o outro é colocado no centro, no controle de nossa vida. Sempre repito uma frase: “destrone qualquer um que esteja dominando seu coração”, por acreditar que devemos tomar cuidado com as ciladas do adversário. Pois o alerta de Deus é claro: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem às fontes da vida. (Pv 4:23). Com isso, Deus estava nos sinalizando uma direção para nos preservar de nós mesmos. Um coração onde Deus não está entronizado, não possui imunidade contra sentimentos escravizantes.

Deus não pode ser transformado em apenas uma âncora, mas ele deseja que nós venhamos nos enraizar nele para que cresçamos, venhamos desenvolver nossas potencialidades e absorver o alimento espiritual diariamente. Âncora paralisa, raiz te faz crescer. Acredite, a dependência emocional produz os mesmos efeitos que qualquer outra substância entorpecente. Mas Deus nos quer sóbrios!

Por Andreia Carvalho
Psicóloga especialista em saúde mental e atenção psicossocial, escritora, autora do Livro Abraço na Alma, lançado pela PoD Editora em 2021.

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