Como está a sua capacidade de ouvir amigos que discordam de você?

 

Tem uma história de um homem que, quando tinha uns 10 anos, entrou numa calorosa discussão sobre futebol com senhores idosos. Este, flamenguista roxo, debatendo com dois homens infinitamente mais experientes… e vascaínos. Foi levado ao limite das emoções, tamanha foi a provocação. Não foi difícil para eles convencê-lo de que ele pouco ou quase nada sabia sobre a grandeza de seu clube, e a verdade é que o Vasco da Gama estava num melhor momento nas competições, e isso sempre faz a diferença em qualquer discussão futebolística.

Este homem aprendeu uma lição naquele dia: há temas em que as pessoas simplesmente não estão dispostas a “dialogar”, ou seja, se abrir a uma conversa respeitosa que considera a possibilidade de ser convencido pelo outro. Poderiam ficar o dia todo debatendo, que, neste episódio, no fim de tudo, ele iria continuar torcendo pelo Clube de Regatas do Flamengo (mesmo em lágrimas, por ter “perdido” o debate, como foi o caso em questão), e eles iriam permanecer torcendo pelo Vasco da Gama. Definitivamente não é fácil lidar com quem discorda absolutamente de tudo o que você pensa.

Depois das eleições presidenciais de 2018, a impressão que a sociedade brasileira passa é que a inviabilidade para se dialogar sobre política cada vez mais está aumentando. Se lá, famílias se dividiram e jovens se afastaram de parentes, por exemplo, em outubro deste ano é bem provável que este fenômeno seja ainda mais intenso e avassalador em todo o país. Você percebe esse ar de intolerância nos ambientes que frequenta, seja no trabalho, ou na vizinhança, ou na universidade, ou nas redes sociais?

A verdade é que a sabedoria para conviver com o diferente não está disponível para todos, ou no mínimo é buscada por pouquíssimos atualmente. Nos tempos do fim, a humanidade está se especializando em queimar pontes e construir muros que impedem convergências e facilitam o caminho para o ódio e a indiferença, dois dos maiores opositores do amor. A impressão que se tem é que estamos numa geração infantilizada em suas emoções e totalmente mimada ao ponto de que cada um se fecha em sua bolha e acredita piamente que possui alguma capacidade para mudar as coisas à sua volta. Será que você tem sido afetado por esta “pandemia” de orgulho e soberba? Como está a sua capacidade de ouvir amigos que discordam de você? É acreditável que tal diagnóstico deveria ser feito por todo aquele que já cuida da própria rede social, no mínimo. Se você já pode votar e possui uma conta bancária, a responsabilidade de estabelecer boas convivências já recai sobre sua vida.

É muito interessante o olhar da Bíblia para este tipo de assunto. O apóstolo Paulo, escrevendo a um grupo de cristãos que viviam numa cidade com forte presença de muitas crenças, filosofias e maneiras de pensar sobre assuntos de ordem política, religiosa e social, diz as seguintes palavras a este grupo: Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos uns aos outros, se algum tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também. E, sobre tudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição. (Colossenses 3.12-14)

Destaca-se a expressão “suportando-vos uns aos outros”. Isso não significa de forma alguma suportar no sentido de “aturar” ou “aguentar” o outro; significa “oferecer suporte”, ajudar o outro em sua dificuldade. Parece que tal ideia parte do pressuposto de que eu preciso do outro para ser eu mesmo de uma maneira mais humana e satisfatória. Talvez essa demanda de se “importar com o outro” seja a grande dificuldade relacional desta geração. Há um abismo que impede o amadurecimento como pessoa de qualquer um que vive neste país que se chama “ego”; e só a humildade pode livrar cada um deste ser tirano que se chama “si mesmo”.

Hoje este homem não discute mais sobre futebol com nenhum vascaíno e não é porque o seu time está muito bem e eles estão mal demais das pernas. Simplesmente ele entendeu que cresceu, amadureceu e descobriu que o vascaíno tem todo o direito de julgar que o Vasco da Gama é infinitamente maior e melhor que o Flamengo, assim como ele também tem o mesmo direito de pensar o oposto. O outro não é moralmente superior ou inferior porque pensa como eu, ou discorda de mim. As pessoas precisam muito mais de amigos do que de opositores intelectuais. Quem sabe nós não contribuímos para que algumas pessoas percebam o valor de se amar acima das diferenças? Nunca perca a chance de ouvir alguém que pensa diferente de você e dizer a esta pessoa: “eu posso não concordar contigo, mas eu sempre defenderei o seu direito de pensar livremente”.