Nenhum teólogo do primeiro século ou mesmo dos tempos da Reforma considerou que Jesus tinha em mente a hipótese de que houvesse alguém que não se ama.

 

O texto que seja talvez mais pronunciado pelas pessoas deste tempo – sendo elas cristãs ou não – é este: “Ame o seu próximo como você ama a si mesmo (Mateus 22.39)”. Ou seja, todo mundo [ou quase] está gritando na vida ou nas redes: “Mais amor, por favor!” É importante deixar claro que desejar um mundo mais fraterno, pacífico e amoroso não é um problema em si. Os problemas só surgem quando há o debate do que falta para que as pessoas amem mais.

Uns vão dizer que o problema é que não se pode amar o próximo sem antes amar a si mesmo; já outros vão dizer que há muito egoísmo nos corações, de modo que o que não falta é amor-próprio, que é a capacidade de se pensar primeiro no cuidado de si mesmo. Falta amor a si mesmo? Sim ou não?

O doutor e pastor John Piper em seu livro, “Em Busca de Deus” diz que o problema não está na ausência ou na existência do amor-próprio. O problema da falta de amor ao próximo como a si mesmo é a confusão do mandamento com o pressuposto. Amar ao próximo é mandamento; amar a si mesmo é pressuposto. Em outras palavras, a Bíblia não fala de dois mandamentos neste versículo e é simplesmente pelo fato de que o ser humano já se ama. Apenas resta agora sair do calabouço do egoísmo para praticar o bem àqueles que sofrem ao redor.

Quando tira-se o foco de Deus como o objeto da redenção e passa-o para o ser humano (leia Ez 36.22-32), coloca-se a autoestima como o remédio para todos os males. Só que não é assim que a Bíblia ensina aos cristãos. A estima de Deus e da graça deve ser infinitamente mais importante para os cristãos do que a estima de si mesmo. A alegria está na fonte eterna de satisfação pessoal, Cristo, e não numa visão mais correta ou elevada sobre o próprio eu.

Na busca por uma síntese dessa abordagem: Jesus não afirma a ordenança da Lei (Ame o seu próximo – Lv 19.18) dizendo que é um mandamento o “como a si mesmo”. Ou seja, Jesus não chama as pessoas ao amor a si mesmas, para que possam amar os outros como amam a si mesmas. E também não compreende o amor a si mesmo como uma expressão de auto aceitação, auto imagem positiva ou qualquer coisa do tipo. Os “mestres” que ensinam desta forma presumem que a ordem de Jesus seja que seus discípulos desenvolvam uma autoestima elevada, para poder cumprir a segunda metade do mandamento, que é amar os outros como ama a si mesmo.

Piper explica que é impossível você construir as palavras “como você ama a si mesmo” como uma ordem. Se você acrescenta o verbo, o mandamento fica simplesmente: “Você deve amar seu próximo assim como você, na verdade, já ama a si mesmo”. Jesus não diz às pessoas que se amem; ele entende que elas já o fazem. Nenhum teólogo do primeiro século ou mesmo dos tempos da Reforma considerou que Jesus tinha em mente a hipótese de que houvesse alguém que não se ama. Assim como diz o apóstolo Paulo em Efésios 5.29, “ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida”.

O problema de compreender o amor-próprio como mandamento neste texto é que naturalmente se diminui a profundidade que o espírito do mandamento quer comunicar ao coração. Muitos se enchem de orgulho e se distanciam da graça de Deus porque estão “ocupados demais nas doses matinais de injeção de autoestima para conseguir amar alguém”.

A pessoa que não compreende a realidade de que ela se ama no sentido de que ela não deixa de alimentar e cuidar da própria carne não poderá compreender a necessidade de buscar a própria felicidade na alegria de Deus e na felicidade dos outros n’Ele por meio de seu serviço abnegado.

Portanto, a sociedade busca a felicidade em muitas coisas e em muitos lugares, menos na glória de Deus e no bem dos outros e é por isso que não consegue amar ao próximo como a si mesmo. O caminho é simplesmente abandonar a ideia de que não se ama o bastante, abraçar a revelação de que o bem que fazemos a nós deve ser feito aos outros (Mt 7.12) e se arrepender do pecado do orgulho, que é exatamente o estado mental de maior oposição a Deus, como diz C. S. Lewis. Ao esquecer d’Ele quando pensam ser o centro do universo, de modo que “tem de cumprir o suposto mandamento de amar a si mesmo” – e isso os impede de buscar a fonte, a base e a energia do amor ao próximo que é exatamente o amor a Deus.

Não se deve excluir o fator “Deus” na reflexão sobre o amor, porque a verdade e a realidade última é que Deus é amor (1 Jo 4.8) e 2) o segundo grande mandamento somente pode ser cumprido quando o primeiro já foi observado.

Por Maycson Rodrigues e Milena Scheid
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