A maior herança da contemporaneidade é o desiquilíbrio emocional do ser humano, o que desencadeou o chamado mal do século: a depressão
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A maior herança da contemporaneidade é o desiquilíbrio emocional do ser humano, o que desencadeou o chamado mal do século: a depressão
Por Renata Pires
retricapires@gmail.com
O brasileiro tem amargado ultimamente os frutos da pior crise financeira que o país já viveu desde 1980. A situação atinge milhões de famílias com desemprego em massa, recuo de investimentos e o acúmulo de dívidas. Diversos setores, como o comércio, por exemplo, sentem o impacto da falta da movimentação do capital, e com isso, muitos empresários e funcionários passam por momentos delicados. No entanto, existe um setor em que as vendas permanecem aquecidas, e o lucro não para de crescer, o da indústria farmacêutica. A maior herança da contemporaneidade é o desiquilíbrio emocional do ser humano, o que desencadeou o chamado mal do século: a depressão.
Depressão não é frescura, não é mimimi. A pessoa fica sem força para pensar direito e querem que ela vá para academia, para festa, viaje, mas não há ânimo para isso. Depressão é uma doença séria, e que mata.
Eni Peniche
A depressão e as doenças ligadas a ela, como transtornos de ansiedade, estresse pós-traumático e de compulsão alimentar afeta pessoas de todas as idades, porque a crise da humanidade vai além do retrato socioeconômico. Ela é existencial. Os consultórios dos analistas vivem lotados de pessoas em busca do alto conhecimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que a depressão é a quarta causa no mundo de incapacidade e deve se tornar a segunda até 2021. Somente no Brasil, de acordo com a pesquisa da IMS Health, em 2016 a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor cresceu 18,2%, gerando 3,4 bilhões de reais para o ramo farmacêutico, atrás apenas do setor de analgésicos, cujas vendas foram de 3,8 bilhões de reais. O assunto é tão sério que para o Dia Mundial da Saúde, em 7 de abril, a OMS deu início a uma campanha sobre depressão, transtorno que pode afetar mais de 80% da população.
A psicóloga com especialização em medicina psicossomática, Eni Peniche, acredita que os dados possam ser ainda mais alarmantes, mesmo com o aumento do número de pacientes em busca de ajuda profissional. “Com informação, as pessoas estão se tratando mais, porém, felizmente ou infelizmente estão consumindo mais antidepressivos. Mas ainda existem muitas pessoas doentes que, por vergonha, não estão sendo tratadas”, diz Peniche. A doutora chama atenção também para a indisciplina do paciente que abandona o tratamento antes da alta médica. “Normalmente a medicação tem prazo mínimo de seis a nove meses e depois o paciente desmama, ou seja, deixa de fazer uso tópico. Mas, se a pessoa não faz um processo terapêutico, uma mudança de mente, a depressão tende a reincidir, e volta mais forte”, pontua.
Caso o tratamento seja negligenciado, a doença pode se manifestar através de outras complicações afetando a saúde física. “O corpo adoece diante da dor, da tristeza, porque quando a dor não encontra os olhos para chorar ela vai chorar através de algum órgão. Costumo dizer que o sangue é vermelho, ele corre na veia; é a circulação sanguínea. Mas, na alma, o sangue da depressão é incolor porque a alma é transparente”, emenda Peniche.
Apesar de silenciosa, a doença dá sinais evidentes na mudança de comportamento do indivíduo. Segundo a doutora, é comum a pessoa afetada perder o prazer por coisas simples do dia a dia. As atividades no trabalho, escola e no meio familiar ficam comprometidas. Para ela, as pessoas em volta devem deixar o senso crítico de lado. “Depressão não é frescura, não é mimimi. A pessoa fica sem força para pensar direito e querem que ela vá para academia, para festa, viaje, mas não há ânimo para isso. Depressão é uma doença séria, e que mata”, alerta. Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano, em decorrência da depressão — sendo a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos.
Tipos e sintomas
Os sintomas podem ser psíquicos ou físicos. Os psíquicos são tristeza, culpa por comportamento de terceiros, frustação, oscilação do humor, vergonha do julgamento alheio, pessimismo, ansiedade, desapego à vida, dificuldade de sentir prazer. Os físicos são classificados por distúrbio do sono, falta ou aumento do apetite e do interesse sexual, dores, tonturas, formigamentos e alteração intestinal.
A depressão no meio evangélico
A depressão não poupa ninguém. Ela não escolhe suas vítimas por raça, classe social, idade, muito menos pelo credo religioso. Ela atinge, inclusive cristãos, em sua maioria mulheres, que segundo a doutora Eni Peniche são difíceis de serem tratados. “A depressão é um transtorno psicossomático e por incrível que pareça, no mundo globalizado com avanço da medicina, ainda assim, existe preconceito com a psicologia e psiquiatria. Membros de algumas igrejas são orientados por líderes a não procurarem ajuda médica, aí entra no processo competitivo”, salienta Peniche que ainda acrescenta a dificuldade que ela enfrenta de tratar os crentes. “É muito complicado trabalhar com psicologia no meio evangélico porque a pessoa acha que seus problemas são espirituais. Quando ela chega a procurar um profissional já está pior do que deveria. Sem contar a falta de paciência em fazer um acompanhamento terapêutico adequado, devido a cultura de não usar os medicamentos…”, completa.
Como especialista na área do estresse acredito que se vivêssemos pelo menos 70% dos ensinamentos de Jesus teríamos saúde psicossomática muito melhor.
Eni Peniche
Quanto ao estigma de que Jesus é o maior psicólogo da humanidade, a doutora é taxativa ao dizer que isto não é uma afirmativa. “Classificá-lo como psicólogo…Psicólogo é pouco para Ele que é todo poderoso, médico dos médicos, é Senhor dos senhores. Como especialista na área do estresse acredito que se vivêssemos pelo menos 70% dos ensinamentos de Jesus teríamos saúde psicossomática muito melhor”, salienta. De acordo com a doutora, os principais fatores que desencadeiam a depressão estão ligados a perda, estresse e síndrome de burnout, que é o esgotamento profissional. “A crise moral financeira que o país atravessa traz muita fadiga, medo, desesperança… Quando o estresse vem em sentimento de revolta, injustiça, é oxidante, tóxico e estimula o processo depressivo. E no caso dos brasileiros, o problema vem em grupo. É geral” alerta Peniche.
Algumas medidas ajudam a prevenir à doença como exercícios físicos, lazer, qualidade de sono, alimentação saudável e balanceada, arte terapia, além da busca a Deus. No entanto, a médica enfatiza a importância do uso do medicamento em casos da manifestação da depressão. “Eu procuro conscientizar a pessoa da seriedade em tomar o remédio porque remédio vem de remediar para assegurar o processo de mudança da mente, ensina a psicóloga. “É difícil porque existe uma cultura de desconhecimento, inclusive dos evangélicos. Em Oséias 4.6 está escrito: “Porque meu povo se perde por falta de conhecimento; por teres rejeitado a instrução, excluir-te-ei de meu sacerdócio; já que esqueceste a lei de teu Deus, também eu me esquecerei dos teus filhos”. As pessoas ficam reféns do sistema que reprime, que limita o pensamento. Isto é muito sério”, finaliza.
Sobre Eni Peniche
Psicóloga com especialização em medicina psicossomática e palestrante. Atuou em laboratório de neurofisiologia, e atualmente trabalha com a neurociência do estresse, com programação neurolinguística, e também é coach emocional de inteligência emocional, além de membro da Igreja Batista do Recreio e debatedora da Rádio Melodia.