A realidade do aborto é dramática, complexa e cruel, e não há como ser indiferente num tema tão caro para a humanidade.

 

Pessoas nascem e morrem. A vida é um ciclo e ninguém tem o controle sobre o que enfrenta ao longo dos anos. Todos sabem que o imponderável é mais real do que a utopia dos “dias melhores para sempre”, pelo menos aqui nesta realidade finita. E uma das discussões mais importantes da atualidade é a banalização da vida em relação ao aborto. Enquanto alguns afirmam que o ser humano só existe de fato após alguns meses na barriga da mãe, grande parte da sociedade desaprova a prática da “autonomia sobre o próprio corpo” por parte das mulheres que desejam interromper uma gravidez sem que haja riscos à saúde da mãe.

Há uma discrepância total no discurso “pró-vida” que militam pelo aborto em diversos estágios da gravidez. Porque se “vidas importam”, se vidas negras ou de imigrantes precisam ser preservadas com base no fato de que estes sofrem por conta de uma inferioridade social imposta pelo Estado ou pela própria sociedade que é injusta, como não aplicar o mesmo princípio a um ser humano em potência que habita o corpo de outro ser humano? Por que lutar pela vida que já nasceu e, de forma açodada, militar contra uma vida que está por nascer?

O que fica ainda mais inviável nessa reflexão é quase sempre existir uma dicotomia entre lutas por direitos. Para grande parte das pessoas no debate público, o direito da mulher sobre o próprio corpo deve ser inviolável; para um número significativo, o direito do feto precisa ser considerado; o que temos na prática e uma legislação bastante positiva no que tange à criminalização da prática do aborto que, nos últimos anos, não envolve situações de exceção dramáticas como o estupro — simplesmente dificulta o caminho para os casos mais comuns que representam 95% dos casos de abortos no Brasil que são aqueles relacionados ao desejo da mulher de não dar continuidade da gravidez sem um fator externo traumático que a levasse a essa decisão.



No fim das contas, a discussão não é sobre uma injustiça social, e sim sobre direitos humanos. Logo, torna-se imprescindível que o conceito de moralidade seja bastante elevado ao ponto de contemplar as demandas da mulher e do bebê que está em desenvolvimento em seu ventre. Ainda que a religião cristã fique de fora deste debate, a vida humana precisa ter o seu valor inerente num grau mais elevado ou haverá um genocídio silencioso e com anuência do Estado e da população. A realidade do aborto é dramática, complexa e cruel, e não há como ser indiferente num tema tão caro para a humanidade. Que os seres humanos possam aprender a cuidar dos seres humanos, e não usá-los em experimentos sociais. Vidas humanas importam, inclusive as vidas humanas na fase da gestação.