Por que grandes emissoras como Globo e SBT, bem como artistas pop, estão adotando o conteúdo voltado para o público evangélico?
Ouvir a canção “Faz um milagre em mim”, de Regis Danese, em um show é algo já conhecido. No entanto, quando interpretada pelo cantor pop latino, ganha uma nova dimensão. Latino apresentou essa música na última sexta-feira (29), em Carauari, no Amazonas. Além disso, a funkeira Tati Zaqui, famosa por suas músicas sensuais, revelou em suas redes sociais que buscará inspiração no meio gospel para alterar as letras de suas composições.
Esse “boom” no mercado gospel não está impactando apenas os artistas seculares, mas também as grandes emissoras do país. O SBT, por exemplo, transmitirá a aclamada série “The Chosen – Os Escolhidos”, que narra eventos significativos da vida de Jesus sob a perspectiva dos discípulos e faz sucesso em serviços de streaming.
A Rede Globo, por sua vez, além do tradicional programa “Promessas”, com os principais nomes da música gospel do país, promoveu um tipo de “The Voice Gospel” dentro do programa Altas Horas de Serginho Groisman. Além disso, a emissora está investindo em novelas com temas evangélicos, como “Vai na Fé”, e produziu um documentário sobre a história da Igreja Evangélica no país. A Sessão da Tarde também exibe vários filmes com temáticas cristãs.
No entanto, como devem os crentes avaliar esses movimentos? Será que eles estão alinhados com as palavras de Jesus em Lucas 19:40, que dizem que “até as pedras clamam”, referindo-se aos meios improváveis de pregação do Evangelho? Nas redes sociais, o cantor Latino chegou a compartilhar a seguinte mensagem sobre o louvor que cantou: “Deus sempre usa os loucos para confundir os sábios. Encerramos o show de ontem de maneira surpreendente. Quanta emoção!”
Esse crescimento do conteúdo gospel coincide com o aumento da igreja evangélica no país, que cresceu mais de 22% nos últimos 10 anos, superando a marca de 60 milhões de brasileiros e mais de 100 mil templos em todo o Brasil, de acordo com dados do Censo de 2022 do IBGE. Especialistas estimam que, em 10 anos, os evangélicos possam se tornar predominantes.
Para o pastor José Ernesto Conti, da Igreja Presbiteriana Água Viva, todas as coisas têm aspectos positivos e negativos. “O aspecto positivo é que ao apresentar, tocar ou mostrar ‘arte’ gospel, essas empresas e pessoas estão promovendo uma mensagem edificante com padrões ideais para os seres humanos. O aspecto negativo é que, ao mesclar o ‘bom’ com o ‘ruim ‘, a mensagem muitas vezes se dilui, e a influência dessa mensagem positiva não é eficaz”, destaca.
O pastor advertiu que as palavras de Jesus sobre o “clamor das rochas” não se aplicam a esse movimento, pois o principal objetivo dessas empresas é o lucro. “Ao incorporar o gospel em sua programação, o objetivo não é pregar o Evangelho, mas usar o gospel como chamariz para vender seus programas ou shows”, afirma Conti.
Além disso, o pastor enfatiza a importância da cautela em relação a esse “boom” evangélico e reforça que a responsabilidade de pregar a Verdade pertence à igreja. “O mundo não vai anunciar a Palavra de Deus despretensiosamente. Não devemos cair no ‘canto da sereia’ e deixar que o barco do Evangelho se choque contra as pedras da perdição. O mundo nunca vai pregar a Palavra sem que tenha por objetivo desviar o homem de encontrar-se com Deus. Todo cuidado é pouco”, anuncia.
Quanto mais se falar de Jesus, melhor
Para o pastor da Igreja Batista Itacuruçá (RJ), Israel Belo de Azevedo, que também é jornalista, conferencista e autor de mais de 60 livros, é importante exercer cautela em relação ao mercado, que busca o lucro, mas também pondera o aspecto positivo desse movimento, pois envolve diversos meios falando sobre Jesus.
“Obviamente, se os produtores de conteúdo evangélico puderem alcançar mais pessoas, é melhor. Se esse tipo de conteúdo puder chegar a diferentes aspectos, seja por meio de livros, música, cinema ou teatro, isso é muito bem-vindo. Não deve haver exagero, pois se trata de um negócio, mas devemos estar presentes em todos os meios”, destaca o pastor.
Ele lembra que o uso do conteúdo gospel nos meios de comunicação não é algo novo. “Isso, em geral, é positivo, um reconhecimento não apenas do valor do Evangelho, mas também do poder de consumo por parte dos crentes. Apesar de ser uma consequência do sistema capitalista, ainda assim, é um meio que deve ser usado e valorizado para que evangélicos e não evangélicos consumam esses produtos”, conclui Azevedo.