A discussão em torno da regulamentação do uso recreativo e medicinal da maconha promete ser dura no Congresso Nacional. Embora o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) – relator da sugestão popular sobre o assunto na Comissão de Direitos Humanos do Senado – tenha adiantado estar convencido da urgência em discutir a regulamentação do uso medicinal da substância, a ideia enfrenta muita resistência.
Na sexta audiência pública promovida pela Comissão para debater o tema, o senador Magno Malta (PR-ES) disse que já tem apoio para instalar a Frente Parlamentar Mista Contra a Legalização das Drogas no Brasil. Segundo ele, o grupo será criado com 75 senadores e 400 deputados federais.
Magno Malta avaliou que diante da dificuldade de apoio para aprovar uma proposta sobre o uso recreativo, ativistas favoráveis à legalização total do uso da maconha estariam apoiando a regulamentação do uso medicinal como estratégia. “A partir dessa frente vamos aprofundar o debate e não vamos aprovar [o projeto] a toque de caixa, pois estão querendo aproveitar o viés medicinal para liberar a maconha no Brasil”, disse depois de admitir ter usado maconha na juventude.
Embora tenha havido manifestações favoráveis à regulamentação do uso recreativo e medicinal da maconha, argumentos contrários dominaram o debate na segunda-feira (13/10). Os participantes da audiência questionaram, por exemplo, a capacidade dos órgãos públicos em fiscalizar o uso da substância.
A eficácia do uso medicinal também foi questionada. Para o padre Aníbal Gil Lopes, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, não há evidências científicas que comprovem a segurança e eficácia dos canabinoides para o tratamento da epilepsia. Ele defendeu que os protocolos existentes no país sejam seguidos, nos estudos preliminares sobre o uso da maconha. “No momento é aceitável o seu uso em ensaios clínicos controlados. O Brasil tem toda uma normativa altamente reconhecida internacionalmente através da Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa] e do Conselho Nacional de Saúde. Portanto, dentro do contexto de pesquisa científica, cada protocolo devidamente analisado pode ser, do ponto de vista científico, aceito”, defendeu.
Já o psiquiatra Marcos Zaleski destacou que a maior disponibilidade de uma droga aumenta o seu consumo e os problemas relacionados ao seu uso. “A liberação da cannabis por qualquer governo passa a mensagem de que se intoxicar é permitido, especialmente junto à criança e ao adolescente”, criticou.
Além dos efeitos agudos do uso da maconha como olhos avermelhados, boca seca, taquicardia, broncodilatação, ele destacou como efeitos psíquicos agudos a angústia, tremores, sudorese, prejuízo na memória e atenção, alteração da percepção espacial e temporal, delírios e também alucinações em alguns casos.
De acordo com a presidenta da Associação Brasileira do Estudo do Álcool e outras Drogas (Abead), Ana Cecília Marques, a dependência é uma doença tratável e, se tratada com boas práticas, recuperam-se 60% dos dependentes, como em qualquer doença crônica como diabetes e hipertensão. “Nós já sabemos tratar o dependente com as melhores práticas disponíveis. Tratar de qualquer jeito não dá. É preciso atualizar o SUS, sem a menor dúvida, e temos os caminhos. O que é preciso fazer antes de se pensar em uma política nova para uma droga nova que a gente quer revisitar? Prevenção. Está faltando prevenção neste país”, criticou ressaltando que legalizar como medida única não é solução para o problema.
O debate teve momentos de tensão e por várias vezes o senador Cristovam Buarque ameaçou suspender a discussão. O senador Fleury (DEM-GO) tentou impedir a fala de um dos participantes que, segundo ele, estava fazendo apologia a drogas, mas não conseguiu. “Isso é uma manifestação dentro de uma Casa do Congresso que é livre para opiniões” , defendeu Cristovam.
Por já ter elementos suficientes sobre o assunto, o relator afirmou que vai avaliar com a presidente da Comissão de Direitos Humanos, senador Ana Rita (PP-ES), a necessidade de uma última audiência pública prevista para discutir o tema. Depois do segundo turno das eleições, o senador deve apresentar à Comissão de Direitos Humanos o relatório apoiando uma proposta para a regulamentação do uso medicinal da maconha. Quanto ao uso recreativo, Cristovam Buarque ainda não declarou que posição vai adotar.