Ideologia de gênero nas escolas fere ensinamento familiar cristão

Por Daniella Fernandes

Ninguém nasce homem ou mulher, uma pessoa constrói, ao longo da vida, a própria identidade e escolhe o gênero que desejar: feminino ou masculino, independentemente do fator biológico. Um indivíduo pode nascer homem e se descobrir mulher e vice-versa. Essa é a teoria da “ideologia de gênero”, termo que faz referência a conceitos sexuais e que tem gerado debates calorosos entre cristãos e não cristãos. A psicopedagoga e terapeuta de família, Renata Santana, diz que vê essa ideologia como um reflexo da sociedade atual, que é muito volátil, livre e descompromissada com valores e crenças. Ela afirma que, ao mesmo tempo em que as pessoas têm muito acesso à informação, também têm pouca bagagem de conhecimento de si mesmo e do outro, e dão pouca importância aos relacionamentos duradouros, aos vínculos familiares e à espiritualidade. O pastor Silas Malafaia, que tem se posicionado frequentemente contra a ideologia de gênero, e a favor da doutrina cristã, em um de seus vídeos na internet, disse que essa ideologia é uma maneira de detonar com a autoridade da família. Malafaia afirma que é um ensino maligno e maldoso para destruir os valores da sociedade e daquilo que a civilização tem mantido até agora. O pastor ressalta que o ensinamento da ideologia de gênero em algumas escolas é uma afronta às famílias.

A professora e pedagoga Danielle de Carvalho lamenta que o termo ideologia de gênero seja entendido de forma equivocada, superficial e descontextualizada dos conceitos de ideologia, sexualidade e gênero: “O slogan ideologia de gênero é utilizado com o objetivo de desqualificar os conhecimentos que contribuem para a compreensão das diferentes formas de organizar a experiência humana, no que se refere à sexualidade e ao gênero, e para inviabilizar as ações de combate ao preconceito, à discriminação e à violência a que estão submetidas às pessoas que se reconhecem fora dos padrões heteronormativos, binários e sexistas. Costumamos nos indagar sobre como se construiu a concepção de que o ‘normal’ ou o ‘natural’ é ser heterossexual. Quando foi que os seres humanos passaram a se reconhecer de maneira binária, como homens e mulheres, macho e fêmea, masculino e feminino?”, questiona a pedagoga.

Muitas escolas já estão debatendo o assunto com os alunos e pais, as opiniões divergem. Recentemente, o Colégio Pedro II foi alvo da mídia por ter liberado o uso da saia para meninos e meninas. De acordo com a escola, a decisão é para cumprir a resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT (órgão ligado ao Ministério da Justiça), lutar contra o preconceito entre estudantes transexuais e também levantar a discussão sobre tolerância e o respeito às diferenças. A psicopedagoga e terapeuta de família, Renata Santana, vê essa “pregação” da ideologia de gênero nos colégios como algo muito prejudicial para o desenvolvimento da criança e também do adolescente. “Frequentemente recebo pais e crianças de escolas onde a ideologia é amplamente difundida, com dificuldade de aprendizagem. Ao fazer o atendimento, deparo-me com a insegurança emocional da família. A criança, por sentir-se coagida num ambiente onde os seus valores familiares são postos em cheque diariamente, não se sente autorizada a aprender, o que as traz aos consultórios para atendimento psicopedagógico”, lamenta. Renata ainda explica que a criança não sabe discernir entre ordenança, informação e sugestão, e para ela o professor é uma figura de autoridade que detém o poder da palavra e da verdade. Para a pedagoga, existem duas questões: primeiro, o aluno é exposto a um assunto do qual a maturidade física, cognitiva e emocional ainda não dá conta de discernir e, depois, ela é confrontada com a briga de valores entre aqueles que defendem a ideologia e aqueles que são contra. Já a professora e pedagoga Danielle de Carvalho vê as escolas como equipamentos culturais que devem promover esse tipo de discussão: “As escolas têm uma grande missão, poucas vezes alcançada, devido aos problemas de ordem material, que é trazer todos para dentro e instaurar o debate para saber o que cada pessoa pensa, vê e sente, e transformar tudo em conhecimento que nos ajude a avançar humanamente e socialmente em direção à equidade e à justiça social. Pensar as questões de sexualidade e de gênero nas escolas e nas universidades contribui para uma desconstrução das subjetividades instauradas em tempos em que nem sequer havia reflexão sobre o que significa identidade de gênero e orientação sexual, por exemplo”, afirma.

 A criança tem capacidade de escolher se quer ser homem ou mulher?

De acordo com a psicopedagoga e terapeuta de família, Renata Santana, a prática e estudos mostram que uma criança não tem a capacidade de discernir e decidir sobre a sexualidade, que o que existe é curiosidade, falta de parâmetro social ou a definição de papéis no seio familiar. A terapeuta ressalta que, se uma criança tivesse essa capacidade de decisão, com algo tão importante, como a opção sexual, que a marcará para o resto da vida, ela poderia então ser totalmente capaz de responder pelos seus atos. “Ao contrário, damos à criança e ao adolescente a proteção e a orientação por entender que não podem responder por aquilo que seu cérebro e sua rede emocional ainda não dão conta. Se pegarmos todas as grandes correntes teóricas da aprendizagem, seja pelo aspecto social, cognitivo, da intelectualidade ou da afetividade, todas trazem o aprendizado em etapas, em que a criança está em plena formação e construção de si mesma e do que compreende do mundo. Como então podemos dar à criança o poder de decidir sobre algo que ela não tem a compreensão total? Seria como dar habilitação de motorista a alguém que nem sequer entrou num carro. Uma incoerência” exemplifica.

A professora e pedagoga Danielle de Carvalho questiona por que nos preocuparmos com a idade que um ser humano começa a se dar conta da orientação sexual, e por que, ao invés disso, nunca nos preocupamos em apoiar e oferecer segurança às crianças e aos jovens para que possam explorar a vida, para que não deixem de vivê-la por medo de serem vítimas de violência, preconceito e discriminação. A pedagoga ainda ressalta que alguns adultos mantêm a arrogância em achar que sabem tudo. “Quando foi que nos demos conta da nossa orientação sexual? Quando nos demos conta da nossa identidade de gênero? E qual a diferença que isso faz para pensar as relações sociais e as políticas públicas?”, questiona.

Cristãos e até mesmo não cristãos têm desaprovado as questões que envolvem a ideologia de gênero. Muitos defendem que não se trata de preconceito com as pessoas que desejam seguir uma orientação sexual diferente, escolha essa que deve ser respeitada. Mas a questão é que as famílias heterossexuais se sentem “roubadas” no direito de terem uma opinião contrária e acreditam que alguns grupos estão em busca não de direitos comuns a qualquer cidadão, mas de direitos exclusivos em detrimento dos direitos dos outros. É nesse contexto que muitos pais têm questionado e acreditado que algumas escolas querem impor suas ideologias “por goela abaixo” para os alunos. A professora e pedagoga Danielle de Carvalho diz que a família ou os responsáveis pelos alunos precisam se informar sobre as leis que regem a educação brasileira, que afirmam o respeito às diferenças na diversidade e à igualdade de gêneros. “A escola precisa compreender o lugar de fala da família, sem corroborar perspectivas que geram desigualdade, violência, preconceito e discriminação. O caso sugerido é muito comum nas escolas e pode ser mediado sem que a escola discurse contra o modo de criação da criança, porém se posicione caso o discurso familiar seja imposto ao conjunto das outras crianças e à própria instituição, já que vai de encontro e não ao encontro da construção da equidade nas relações sociais.” A pedagoga adverte que o que não é nada saudável é a sociedade continuar negando as diferenças na diversidade: “Enquanto elas forem negadas, as nossas mãos estarão sujas com o sangue de cada ser humano que é morto por ser diferente, seja por omissão, seja por concordância com o discurso de ódio que retira a humanidade das pessoas”, repreende.

Segundo a psicopedagoga e terapeuta de família, Renata Santana, a Constituição brasileira no artigo 229 diz que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores; a Convenção Americana de Direitos Humanos no artigo 12 inciso 4 afirma que os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação moral e religiosa que esteja de acordo com as suas próprias convicções; e o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, artigo 79) diz que as revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil (…) deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família: “A lei é clara, mas hoje o que vemos é uma subtração do papel parental. A escola não precisa impor a teoria da ideologia de gênero para gerar um mundo mais tolerante, pode ensinar ética, que reforça o respeito e a valorização do outro, papel que também deve ser o da família. Mas a verdade é que não se trata de aceitar as pessoas com suas opções, mas de impor uma ideologia sem respeitar o direito do outro de divergir”, lamenta.