Decisão do prefeito Marcelo Crivella em remanejar subsídio das agremiações para creches conveniadas ao município gera polêmica

Por Renata Pires
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O Brasil é conhecido mundialmente pelas belezas naturais e por ter um povo irreverente, festeiro e hospitaleiro. Os feriados prolongados são os períodos ideais para os viajantes conhecerem os pontos turísticos famosos do país. E o Carnaval é uma dessas datas que movimenta a circulação de turistas, principalmente no Rio de Janeiro que recebe pessoas de outros estados e também do exterior. Somente este ano, 1 milhão de pessoas desembarcaram no Rio, o que gerou 3 bilhões de reais para a economia da cidade. A “casa” estava preparada para receber e tratar bem os de fora. Um número considerável em tempos de crise financeira. Por outro lado, os cariocas amargavam acúmulo de dívidas, devido ao desemprego e falta de pagamento, no caso do funcionalismo público. E a crise não parou por aí.

O orçamento também ficou curto no munícipio. O prefeito Marcelo Crivella assumiu a prefeitura com menos recursos e mais contas a pagar, e caso não consiga renegociar as dívidas com o BNDES e com a Caixa econômica, os funcionários da saúde e educação do município podem ficar sem pagamento a partir de setembro. Para amenizar o impacto da crise orçamentária, Crivella tomou uma decisão que mexeu com pessoas envolvidas com o Carnaval.

O prefeito decidiu cortar pela metade a verba de R$ 24 milhões das escolas de samba do grupo especial para repassar para creches conveniadas com o município. A intenção do prefeito é dobrar a diária que as instituições recebem por criança, que atualmente é de R$ 10,00, e atende cerca de 15 mil alunos em 158 unidades. “O valor que é pago hoje é muito pouco até mesmo para comprar um iogurte. O que estamos fazendo é refletir como gastar melhor. Se vamos usar esses recursos para uma festa de três dias (Carnaval) ou ao longo de 365 dias ao ano”, disse o prefeito ao Regional Evangélico, através de sua assessoria.

O setor hoteleiro, de turismo, e a Liga Independe das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), assim como a Rede Globo que é detentora da transmissão dos desfiles das Escolas, desde 1973, foram os mais inconformados com a decisão, sob o argumento que o Carnaval é responsável por mobilizar a economia da cidade. Algumas escolas chegaram a ameaçar não desfilar na Marquês de Sapucaí, alegando que o valor é inviável para a execução do trabalho, já que cada uma começa os preparativos para o Carnaval no início do ano e muitas pessoas vivem deste serviço. No entanto, o aumento do subsídio aconteceu em 2016, dado pelo então prefeito Eduardo Paes. Até então, cada uma das 12 escolas de samba recebia R$ 1 milhão da Riotur – empresa de turismo municipal responsável pela organização do carnaval carioca – para apoiar os preparativos dos desfiles.

Voz do povo é a voz de Deus

Segundo a mídia, a decisão do prefeito dividiu a população carioca, mas de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Paraná, entre os dias 17 a 20 de junho, aponta que 78,2% dos entrevistados concordam com a medida. Outros 18,4% dos consultados discordam e 3,4% não opinaram.

Ainda segundo a pesquisa, para 74,1% a redução da verba pública não inviabiliza o carnaval. Dos entrevistados, 62,2% acreditam que as escolas deveriam buscar apenas patrocínios e ajuda na iniciativa privada para a realização do evento.

A pesquisa abrangeu 1.020 pessoas, maiores de 16 anos. De acordo com o diretor da Paraná, Murilo Hidalgo Lopes de Oliveira, a amostra tem um grau de confiança de 95% para uma margem estimada de erro de, aproximadamente, 3% para os resultados gerais.

Crivella bate o martelo

Mesmo diante das manifestações realizadas por parte daqueles que são contra a medida de remanejar a verba para as creches conveniadas, o prefeito decidiu manter a decisão. O repasse de R$ 20,00 deve começar a ser pago a partir de agosto para melhorar a alimentação e o material escolar das crianças. E para o carnaval 2018, as escolas de samba receberão R$ 13 milhões, valor similar ao de anos anteriores.

Ainda segundo a assessoria de imprensa, Crivella afirma que apesar do valor do repasse ser inferior ao do ano passado, o Carnaval do Rio vai receber novos investimentos em 2018. “A Avenida Marquês de Sapucaí passará por obras para melhorar as condições de infraestrutura oferecidas às escolas de samba. O planejamento prevê a modernização dos sistemas de luz e som, além da instalação de telões por toda a passarela”. O remanejamento da verba não quer dizer que as escolas de samba ficarão sem recursos, uma vez que o Conselho de Turismo poderá investir diretamente nas agremiações por intermédio de um fundo setorial ou por cadernos de encargos”, pondera o prefeito.

Legado Olímpico

Fazendo um comparativo dos investimentos governamentais entre obras e megaeventos com a educação, a segunda não estaria no “grupo especial” e levaria zero no quesito subvenção. Se nos últimos 25 anos, o Brasil tivesse priorizado o incentivo a educação, como fez para movimentar a circulação de turistas na Rio 2016 e demais eventos que a cidade sediou, o país não estaria com notas tão baixas em relação a evasão de alunos na escola. São 2.486.245 crianças e adolescentes de 4 e 17 anos fora do ambiente escolar, segundo levantamento feito pelo Todos Pela Educação com base nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). O montante representa cerca de 6% do universo total de alunos. Com algumas medidas do Ministério da Educação, o Brasil chegou a avançar, mas em passos lentos, e em 2017 voltou a recuar…

O número é expressivo. Em todo o país, 2,8 milhões de crianças e adolescentes, ou 6,2% dos brasileiros entre 4 e 17 anos, estão fora da escola, de acordo com levantamento divulgado no mês de junho deste ano, pelo Todos pela Educação. O preço que o setor pagou quando os governantes decidiram alocar recursos nesses megaeventos é irreparável. Os gastos com a Rio 2016 ultrapassaram os 40 bilhões. E setores primordiais como saúde, educação e segurança ainda sofrem com a falta de investimentos quase um ano após o evento.

A pergunta sobre qual é o legado olímpico deixado para o país, em especial para os cariocas, ainda está sem resposta. Pior ainda.  O brasileiro recebeu “pão e circo” no período de festa e depois viu o Rio de Janeiro se acumular em dívidas até decretar estado de calamidade pública. A pergunta agora é outra. Quem poderá nos salvar?