Já faz tempo que o ato de dar o dízimo gera muitas polêmicas

Por Daniella Fernandes

Dizimar. Já faz tempo que o ato de dar o dízimo gera muitas polêmicas. Qual é a maneira certa de dizimar? O dízimo biblicamente é obrigatório? Quem estipulou que deveria ser 10% de toda a renda recebida? São muitos questionamentos envolta de um só tema, por isso o JRE reuniu pessoas teologicamente qualificadas para ajudar a esclarecer alguns desses muitos questionamentos. O pastor Jarbas de Almeida, presidente da Igreja Nova Vida em Anchieta, explica que o dízimo, desde Abrão (Gn 14.20) até os dias atuais, compreende uma aliança, um acordo baseado no reconhecimento de que Deus é o que dá as sementes que semeamos e, assim, temos do que colher. “Ao reconhecermos o Senhor como provedor, fazemos uma aliança, crendo que Ele continuará sendo o nosso provedor e que, através da aliança de fidelidade, a sua provisão desencadeará prosperidade em tempo oportuno. Não havemos de passar necessidades naquilo que é prioritário ao sustento, através da aliança de fidelidade firmada, mantida através da contribuição de 10% de tudo que recebermos d’Ele. A ação se resume em devolução de parte daquilo que Ele nos dá”, diz.

De acordo com o pastor Jarbas, os 10% foi definido pela comunidade judaica que compila os textos sagrados, atribuindo-lhes a canonicidade. Ele ainda lembra que Abraão não deixou isso escrito, mas a tradição oral trouxe este número, que acreditamos ter sido o mais aproximado do real, por isso se chama dízimo, que vem do latim decimus. “A expressão dízimo serve para designar, aproximadamente, a quantia entregue. Não se tratava de um número exato. Hoje, a exatidão representa o senso de equidade que devemos ter ao apresentar ao Senhor, todos que estão aliançados com Ele, uma porcentagem igualitária e justa”, afirma o pastor. Já o economista e teólogo, Bruno Felippe, afirma, baseado em Levítico 27.30-33, que o dízimo estabelecido na Bíblia dizia a respeito da entrega do produto da terra, semente do campo, fruto das árvores, do gado e do rebanho, e que não era dar dinheiro. O teólogo conta que não há nas Escrituras Sagradas nenhum texto que apoie a ideia de que o dízimo era a entrega de dinheiro em parte determinada de qualquer salário. “Não há passagem que confira à igreja ou a seus líderes papel de fiscais dos negócios de Deus na terra. Portanto, não há como mensurar o que seria passível de se dizimar. Ainda que eu acreditasse em tal dogma, visto a imensa diferença de contexto econômico e cultural ante aquela era, tentar transpor esses valores para nossos dias, além de ferir o contexto histórico, é no mínimo o uso de uma covardia ou maldade para o atendimento dos mais variados interesses que sejam nobres ou não. Ferem o limite da razoabilidade de interpretação das Sacras Escrituras”, enfatiza.

O coach e pastor auxiliar da Assembleia de Deus em Pilares, Marcio Fiorini, esclarece que o conceito de dízimo muda para ofertas muito maiores que 10% no Novo Testamento, isso porque as pessoas faziam por amor e davam tudo o que tinham e dividiam de forma igualitária. Ele ainda ressalta que toda e qualquer oferta hoje, que alguns chamam de dízimo, deve ser dada sem se prender a percentuais, mas sim na voluntariedade e no amor. “Tudo que não é voluntário não é em amor e nem divino. A igreja cristã evangélica convencionou a obrigatoriedade do dízimo, para que houvesse de forma mensal e fixa, uma renda que a mantivesse e fosse linear para a sua receita. Esse é o melhor negócio do mundo, assim como muitas empresas o fazem hoje, de conseguir manter suas receitas com ganhos fixos de manutenção de seus serviços. Vale salientar que toda esta arrecadação deve seguir o exemplo neotestamentário, de servir aos necessitados e não a luxos e vaidades pessoais e de construção de megatemplos luxuosos”, pontua. O pastor ainda diz, que aquele que dá o dízimo voluntariamente, deve dar sobre aquilo que de fato recebeu, ou seja, o valor líquido e não o bruto. Ele reforça que o dízimo no Novo Testamento não se limitava a 10%, mas sim do todo e melhor que se pudesse dar em prol do Reino. “Esqueçam os 10% de líquido e bruto e deem o seu melhor sobre aquilo que o seu coração voluntariamente o deseja fazer”, aconselha.

Dízimo ou barganha?

Muito se fala que quem não dizima é amaldiçoado e está roubando a Deus. Sendo assim, alguns cristãos, por medo, acabam dizimando, a fim de repreender o devorador das finanças. O pastor Jarbas de Almeida afirma que o dízimo não deve ser dado por esse motivo, como se fosse uma barganha, mas sim por ser uma aliança. “Através da fidelidade, o crente crê (questão de fé, que deve ser experimentada pessoalmente) que o Senhor o ajudará, inclusive repreendendo o devorador. A barganha com Deus não funciona. Ele exerce o amor, independentemente do nosso comprometimento. A questão que se deve avaliar é o exercício da justiça divina que suplanta, inclusive, a própria misericórdia divina”, explica. O economista e teólogo Bruno Felippe ressalta que a mensagem da graça e do amor de Deus nos ensina que tudo já foi consumado, o que significa que nossa dívida está paga, mas que isso não nos impede de fazer qualquer doação voluntária à comunidade religiosa da qual somos membros, mas que em nenhum momento isso deve nos expor a uma fragilidade social. O teólogo ainda diz que nosso relacionamento com Deus deve ser embasado na passagem que estabelece, mesmo no Antigo Testamento, que não podemos dar nada ou fazer nada diante de tudo que Ele nos dá como beneplácito de sua vontade. “Acreditar no contrário é colocar um preço e um valor em tudo o que Deus nos deu e então fantasiar o merecimento do mesmo. Em Deus não somos merecedores de nada”, revela.

É costume de algumas igrejas oferecerem envelopes onde os membros colocam os nomes de quem está dizimando ou ofertando; outras oferecem recibos para os dízimos doados. Muitos questionam o fato de que já que as doações são para obra do Senhor, por que é tão importante o pastor e a igreja saberem quem está ou não dizimando ou ofertando? O pastor Jarbas esclarece a importância de ter esse controle. Ele explica que a contabilização dos valores representa a transparência e pode, em caso de investigação, representar uma defesa (quer seja por uma junta de membros ou mesmo das autoridades competentes), como, por exemplo, o pastor precise separar membros fiéis para designar tarefas na igreja local. “Quem chamaria infiéis para trabalhar junto de si?”, questiona o pastor.

Atualmente já existem cristãos que dividem o dízimo com outras igrejas que julgam mais necessitadas, ações de caridade e obras missionárias, com o intuito de contribuir financeiramente também com outros lugares, além de sua igreja local. A pastora do Ministério Apostólico e Profético Shalom LA-Rhema, Marilene de Almeida, defende que o dízimo é uma ordenança que deve ser obedecida e cumprida, mas se baseia em Atos 2.45 e 4.34-35 para dizer que não considera errado dividir o dízimo para ajudar outros locais. Já o pastor Jarbas afirma que esse ato de dividir a contribuição seria como comer em um restaurante e sair para pagar a conta em outro. Ele lembra da fidelidade de Abraão em entregar o dízimo nas mãos daquele que o abençoava, Melquisedeque.

E quem está desempregado deve dizimar assim mesmo, ou priorizar o sustento da família? O pastor Marcio Fiorini diz que um desempregado não possui renda, por isso, não tem como ser fiel com um valor fixo; no entanto, isso não o exime de, voluntariamente e em amor, dar daquilo que possui, o seu melhor, caso em seu coração ele o deseje fazer por amor ao Reino de Deus. Mas o pastor aconselha que entre decidir sustentar a sua família e dar o dízimo, a escolha primaz é cuidar da família e dar aquilo conforme ele o pode fazer.