Construção de texto: intertextualidade

A inigualável narrativa bíblica começa assim: “No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz. E houve luz.” Gênesis 1.1- Grifo meu.. Esse texto tão incrível não passou despercebido por Manuel Bandeira, grande poeta brasileiro, que escreveu: “A primeira vez que vi Teresa/ Achei que ela tinha pernas estúpidas/[…]Quando vi Teresa de novo/Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse) Da terceira vez não vi mais nada/Os céus se misturaram com a terra/ E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.” – está bem diferente do texto que o inspirou, com frases sinuosas e com seus rumos semânticos desviados; mas, ainda assim, é um diálogo textual com a Bíblia.
A intertextualidade bem elaborada atrai o leitor e o conduz ao texto original. Isso a Bíblia faz muito bem, e consigo mesma. Os textos do Antigo Testamento são reproduzidos pelo Novo Testamento, em completa harmonia, conduzindo seus leitores a uma confirmação da mensagem anteriormente anunciada.
Contudo essa percepção pode não ser tão imediata, visto que o contexto bíblico parece se mover como as águas do oceano. Eu mesma só depois de algum tempo lendo a Bíblia é que me deparei com tais diálogos. O primeiro deles foi Dt 30.11-14, que diz: “ (…) Porque esta palavra está muito perto de ti, na tua boca, e no teu coração, para a fazeres.” – dialogando com Rm 10.6-9: “…Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu? (isto é, a trazer do alto a Cristo). Ou: Quem descerá ao abismo? (Isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo). Mas que diz? A palavra está junto de ti , na tua boca e no teu coração: esta é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo.” Esse diálogo ocorre numa interação perfeita: Rm 10.6 com Dt 30.14.
Eno Teodoro Wanke, escreveu: “No princípio era o verbo. Depois veio o sujeito e os outros predicados: os objetos, os adjuntos, os complementos, os agentes, essas coisas. E Deus ficou contente. Era a primeira oração.”
Assim os textos seculares dialogam com os textos da Bíblia, mas nada se compara aos diálogos que a própria Bíblia traz. O que a Bíblia faz é inigualável.